sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

É menina!




Disse minha mãe após o primeiro ultrassom que deu pra ver o sexo daquele bebê.

- E vai se chamar Mônica, completou meu pai.
- Mônica não, Rayssa, com Y dois ÉSSES.
- Eu gosto de Nayara, então vai ser esse mesmo.
- Rayssa Nayara.

E vai sei baixa, como nós. Não vai ser blogueira, ou pelo menos não de moda. Nunca vai estar muito feliz com seu próprio corpo.
Vai sonhar. Vai idealizar falas, discursos, entrevistas. Vai querer ser muito famosa. 
Vai ser afinada, mas não a ponta de ser cantora, mas isso nunca a vai impedir de cantar.
E vai ser artista, artista das palavras. Vai falar bastante com a boca, mas melhor com os dedos, bem mais com a alma, em silêncio.

Vai ser jornalista. Mas nunca vai deixar de sonhar. Vai sonhar com sua entrevista no Jô, com algo de espetacular que descobriu, vai ser famosa no youtube, ou vai tentar, ou só vai sonhar mesmo, cantando na frente do espelho, decorando textos de novelas, entrevistando celebridades.

Vai girar o mundo sem medo, porque o medo que ela acha que terá, vai ser - na verdade- a vontade de ser livre que alimenta o que ela nasceu pra ser. Vai crescer.

Vai se machucar, vai ser gótica, usar roupa estranha, ter namorado bizarro e vai sofrer por amor, ou pelo que ela vai achar que é. Vai crescer e mudar quando descobrir que o grande amor era somente uma grande fase.

E quando, mais tarde, se machucar de verdade, vai ver que a real dor é a da distância de casa. Da falta do arroz com feijão. Vai tatuar no corpo a liberdade que é da alma. Vai ser grande, mesmo sendo pequena.

Vai ser falante, vai pintar metade do cabelo de loiro, vai gostar de dormir e comer. E vai ser gordinha. E por mais que ela ligue bastante pra isso, não vai ser assim tão importante pra que ela deixe de comer brigadeiro.

Vai cansar das festas, mas vai ter grandes amigos. Desses que serão pra sempre. Desses que serão irmãos. E mesmo com todo o dom das palavras, vai engasgar quando quiser expressar pra família o tamanho da importância que temos para essa bebê.

E vai ser doente, um pouco de nicotina, nada de álcool, alguns porres, nenhuma droga.

E vai chorar. Pelo filme da Disney, pela morte do cachorro, pela pobreza. Mas vai aprender a não chorar de tantos adeus que vai dizer nas portas de embarque que vai entrar. E quanta gente vai deixar pra trás. E quanta gente vai virar palavra.

Vai ter um grande amor. Que a vai ensinar a dividir, a ceder, a ser menos sempre ela. Vai ter que soltar a mão e entregar ao destino o amor que ela sabe que é o dela. E que ela vai torcer que volte.

Nossa menina vai ser semente, jogada de um lado pro outro, sem conseguir raízes. Semente que cai na terra, alimenta o solo, bebe água e vento leva, pra outra terra, pra outro solo, sem precedentes, sem vínculos, só histórias pra contar da semente que não germina, da semente que aprendeu a dizer adeus e guardar pra si a dor que é ter tanto dentro de si pra contar, sem muitas pessoas para ouvir.

Mas vai ser feliz. Vai ser o mundo. Vai contar histórias, vai inventar discursos, vai idealizar cenas.
Vai respirar liberdade até fechar os olhos e contar pras estrelas que nome composto nunca a agradou.

E adubar o mundo com alma, e palavras.